Superdotação: Neurodiversidade, Desafios e Intervenção
Uma visão geral sobre AHSD na perspectiva que assumimos aqui no Instituto INtersistêmico.
1. Definição e Conceituação de Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD)
As Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD) não são meramente um QI alto ou um desempenho acadêmico excepcional. É uma condição neuroatípica, complexa e multidimensional, que se manifesta em diferentes aspectos da vida do indivíduo. "aA superdotação é uma neurodiversidade com uma diferença socioemocional e de aprendizagem. É altamente genético… Pessoas superdotadas vivenciam, processam e respondem ao mundo de maneiras qualitativamente diferentes."
Pontos Chave:
Neurodiversidade: O cérebro de indivíduos com AH/SD é diferente, não-típico, com regiões mais desenvolvidas, mais ativas e hiperconectadas. Superdotados "geralmente não têm cérebros significativamente maiores que a média, [mas sim] um volume regional comparativamente maior em áreas específicas do cérebro."
Assincronia: Um conceito pilar da superdotação, refere-se à discrepância no ritmo de desenvolvimento das várias idades internas de uma criança (intelectual, emocional, física). "Algumas crianças superdotadas de 4 anos podem ler no nível de uma de 8 anos e suas habilidades emocionais podem parecer com as de uma criança de 2 ou 3 anos". Essa assincronia pode levar a sentimentos de "não se encaixar" e desafios relacionais.
Intensidade e Superexcitabilidades: Baseado na teoria de Kazimierz Dabrowski, indivíduos com AH/SD possuem "hiper-reações e intensidades" em cinco áreas: psicomotora, sensorial, intelectual, imaginativa e emocional. Essas superexcitabilidades podem ser tanto notáveis quanto incapacitantes.
Psicomotora: Alta energia, fala e movimento rápidos, necessidade de atividade física vigorosa. Podem ser confundidos com TDAH.
Sensorial: Sensibilidade aguçada a estímulos (barulhos, cheiros, tato). O cérebro processa informações mais rapidamente, tornando todas as sensações mais intensas, "para o lado bom e para o lado ruim". Isso pode levar a incômodos com excesso de barulho, som, calor, frio.
Intelectual: Forte desejo de adquirir conhecimento, busca pela verdade, análise e síntese rápida de informações. Podem se entediar facilmente em ambientes de aprendizado tradicionais .
Imaginativa: Tendência a fantasias ricas, visualizações e imaginação vívida.
Emocional: Emoções intensas, profunda empatia, preocupação com os outros e com questões globais. Essa empatia pode ser "corrosiva, patológica", levando a pessoa a se prejudicar para não afetar o outro).
Hipersensibilidade e Cérebro Hiperconectado: "O cérebro dessas pessoas é um cérebro que é maior, que tem regiões maiores, áreas maiores, que é mais hiperconectado. Então, é um cérebro mais sensível, processa a informação mais rápido". Estudos de neurociência confirmam "volumes cerebrais aumentados, eficiência de processamento em redes cerebrais e utilização de diferentes redes cerebrais de indivíduos de alto QI".
2. Desafios e "Lutas Invisíveis" dos Indivíduos com AH/SD
A vivência da superdotação é frequentemente acompanhada por desafios únicos, que podem ser mal interpretados ou não reconhecidos por neurotípicos.
Pontos Chave:
Mal Diagnósticos e Dupla Excepcionalidade (2e):Frequentemente confundidos com TDAH devido à baixa inibição latente, hiperatividade psicomotora e pensamento acelerado .
Risco elevado de diagnósticos errados: como Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e Transtorno Bipolar .
A dupla excepcionalidade, onde há superdotação e uma deficiência ou transtorno coexistente (como TDAH, TEA, dislexia, dificuldades sensoriais), é um desafio diagnóstico significativo, pois "a superdotação mascara deficiências e deficiências reduzem as pontuações de QI".
A identificação precoce é crucial para prevenir problemas psiquiátricos, emocionais, relacionais e comportamentais na vida adulta.
Problemas Emocionais e Psicológicos:Depressão Existencial: Maior predisposição a sofrer com questões existenciais, solidão e depressão, devido à capacidade de imaginar possibilidades e reconhecer injustiças, em contraste com a realidade imperfeita do mundo.
Ansiedade e Ruminação: A alta capacidade cognitiva, especialmente verbal, está associada a maior ruminação e preocupação, fatores que predizem cronicidade de transtornos depressivos e sintomas de ansiedade. Indivíduos com alto QI têm um risco significativamente maior de desenvolver TAG e TOC.
Perfeccionismo e Medo do Fracasso: Tendência a lidar muito mal com erros e fracassos, sendo extremamente perfeccionistas. Evitam situações que coloquem suas capacidades à prova, o que pode levar a traumas em provas ou apresentações. Existem dois tipos de perfeccionismo: saudável (intrínseco, busca por beleza e equilíbrio) e não saudável (extrínseco, impulsionado por medo de falha e expectativas externas).
Hiper-responsabilidade: Desenvolvimento precoce de um senso de hiper-responsabilidade pelos outros e pelo mundo, levando a uma empatia "corrosiva" que pode prejudicar a si mesmos.
Dificuldades Relacionais e Sociais:Sentem-se "muito diferentes dos neurotípicos", "deslocados", "estranhos", especialmente se não têm amigos ou familiares com a mesma condição.
A incapacidade de se adaptar pode levar a baixa autoestima e isolamento social .
Podem evitar usar sua capacidade excepcional para tentar "encaixar-se" socialmente com pares da mesma idade ).
Falam com árvores, possuem espiritualidade diferente e intuitiva, têm premonições ou habilidades psíquicas, o que pode ser mal diagnosticado como algo "errado".
Tédio e Desmotivação: Crianças com AH/SD podem ficar entediadas na escola a ponto de se irritar, recusar ir à escola, e serem confundidas com TDAH, pois aprendem muito rápido e facilmente.
A motivação é intrínseca e "foguete", quase só conseguem fazer coisas em estado de euforia, o que é um problema para tarefas cotidianas que não geram essa empolgação. Precisam aprender a mobilizar desempenho sem euforia e sustentar a motivação ao longo do tempo.
Processamento de Informação e Memória:Baixa inibição latente: Pensam em uma coisa e lembram de várias outras relacionadas, associam ideias rapidamente. É característica de pessoas altamente inteligentes ou criativas, mas pode ser confundida com TDAH.
Memória excepcional de longo prazo, mas, paradoxalmente, podem ter memória recente fraca (esquecer o que comeram ontem, mas lembrar conceitos de 10 anos atrás).
3. A Importância do Autoconhecimento e da Intervenção
O autoconhecimento é a "primeira ferramenta" para lidar com a condição de AH/SD.
Pontos Chave:
Identificação Precoce: É essencial para que pais e educadores entendam o funcionamento desses indivíduos e forneçam o ambiente propício para seu desenvolvimento, prevenindo problemas psiquiátricos, relacionais e comportamentais).
Desenvolvimento do Caráter: A inteligência e criatividade já existem, mas o "impedimento" para a vida desejada é de caráter (esforço, decisão, resiliência), não das características em si. É preciso aceitar a lacuna de desenvolvimento e focar em ser quem se quer ser, moral e eticamente, ao invés de reclamar da condição.
Abordagens Terapêuticas e Educacionais: A Psicopedagogia é uma área multidisciplinar que envolve Psicanálise, Fonoaudiologia, Psicologia, Pedagogia, Neurociência, Psicolinguística, entre outras, para constatar obstáculos de aprendizagem e promover o desenvolvimento.
Técnicas projetivas psicopedagógicas (desenhos, representações) podem investigar vínculos da criança (familiar, escolar, consigo mesma) e são úteis para compreender o processo de aprendizagem e o mundo interno.
Estratégias para lidar com a assincronia e superexcitabilidades incluem:
Criação de Centros de Interesse: Permite que o aluno use o tempo ganho para estudo independente .
Contratos de Estudo: Oferece opções mutuamente aceitáveis para o aluno usar o tempo ganho com sabedoria .
Aceleração e Compactação: "Pular" material já aprendido, encurtar tarefas, aumentar o ritmo para manter o aluno engajado ).
Aprendizado sobre Estilos de Aprendizagem: Compreender se o indivíduo é um "aprendiz auditivo-sequencial" (pensa em palavras, necessita repetição, bom em memorização mecânica) ou um "aprendiz visual-espacial" (pensa em imagens, chega a soluções intuitivamente, aprende por relacionamentos, de forma assíncrona) ajuda a aceitar seu funcionamento único e encontrar usos mais eficazes de suas capacidades . O modelo visual-espacial é baseado em descobertas sobre as funções dos hemisférios cerebrais.
Neurociência na Educação: A neurociência destaca a importância do desenvolvimento das funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório, flexibilidade cognitiva) na primeira infância, que são cruciais para o sucesso acadêmico e social. Intervenções mistas que combinam habilidades de alfabetização e matemática com foco em funções executivas são eficazes.
A meditação, exercícios físicos e contato com a natureza são recomendados para lidar com o pensamento excessivo e a preocupação em pessoas com "mente forçada" (superdotadas), pois podem ser calmantes e espirituais.
4. O Paradigma da Complexidade e a Nova Visão
O pensamento sistêmico e a teoria da complexidade oferecem uma "nova visão" para compreender a superdotação, afastando-se de um modelo simplificador.
Pontos Chave:
Abordagem Holística: A Psicopedagogia não é apenas a aplicação da psicologia à pedagogia, mas uma área multidisciplinar que busca o pleno desenvolvimento do sujeito, considerando aspectos cognitivos, afetivos e sociais de forma indissociável.
Superação do Paradigma Simplificador: A ciência tradicional busca a simplicidade e a redução, enquanto o "novo paradigma da ciência" reconhece a complexidade, a interconexão e a imprevisibilidade.
O Brasil, em particular, possui uma "cultura de síndrome de vira-lata", uma "ilusão de igualdade" que dificulta o reconhecimento e o interesse em entender a inteligência e as diferenças de potencialidades . É mais fácil "explorar e controlar uma população fraca, que não conhece o potencial da inteligência e o potencial humano".
"Olhar para o Superdotado" vs. "Olhar para a Superdotação":
É crucial focar em "quem ele é" (o superdotado) e "por que ELE pensa, sente e age assim", investigando o mundo interno e as singularidades, em vez de tentar encaixar o indivíduo em um conceito pré-formatado de superdotação.
Aceitação e Transformação: Aceitar a própria condição (AH/SD) é o primeiro passo para parar de sofrer com problemas internos desnecessários e começar a usar o potencial para "resolver a treta do mundo, criar soluções pro mundo. Melhorar a sua vida e a vida dos outros" .
5. Aspectos da Memória e Aprendizagem
A memória é um sistema complexo e associativo, onde conteúdos, estados de humor e fisiológicos influenciam sua formação e recuperação.
Pontos Chave:
Consolidação da Memória: É fortalecida por carga emocional, significado, atenção, associação, repetição e sono.
Classificação da Memória: Pode ser sensorial (milissegundos), de curto prazo (segundos) e de longo prazo (horas, dias, anos).
Memória de Trabalho: Crucial para a manutenção e manipulação temporária de informações para tarefas cognitivas. É um componente das funções executivas e se desenvolve ao longo da infância.
A memória de trabalho visuoespacial e a fonológica são subsistemas gerenciados pela "central executiva".
Indivíduos superdotados, especialmente prodígios, podem ter uma memória de trabalho superior, colocando-os entre 1% da população.
Estimulação Cerebral: A falta de estimulação cerebral pode levar a esquecimentos e problemas de memória. Exercícios como jogos de lógica, mudança de rotina, escovar os dentes com a mão não dominante, e mudar caminhos para casa/trabalho, são benéficos para a memória e agilidade mental. A alimentação rica em ômega 3 e magnésio também é importante.
Intuição vs. Cálculo: Grandes mestres no xadrez, por exemplo, recorrem mais à intuição e reconhecimento de padrões do que a cálculos extensos. Isso pode indicar um "processador de padrões" no cérebro de indivíduos altamente talentosos.