Histórias de infância AHSD
Um olhar externo sobre três crianças com Altas Habilidades e Superdotação em histórias hipotéticas, mas muito frequentes em toda a parte. E você, sentiu-se assim em algum momento de sua infância?
Aos 3 Anos: "A Pequena Filósofa Inquieta"
Imagina a Clara, uma menina de 3 aninhos, cabelos de anjo e olhos curiosos que parecem carregar o mundo. No dia do seu aniversário, a festa tá rolando, brigadeiro pra lá, bolo pra cá, mas a Clara tá sentada num canto, olhando pro céu estrelado (mesmo que seja de dia, na imaginação dela). De repente, ela vira pra mãe e pergunta, com uma seriedade que assusta: "Mamãe, por que o dia acaba e a noite começa? E se um dia o dia não quiser mais ir embora, o que a gente faz com a noite guardada?". A mãe sorri, sem saber direito o que responder, porque perguntas filosóficas e profundas, que não são da idade dela, são rotina pra Clara.
Desde bebê, a Clara era assim: dormia pouco, tava sempre atenta, inquieta e estimulada. Aprendeu a andar e falar rapidinho, bem antes das outras crianças. Com 3 anos, ela já fazia contas simples na cabeça e questionava a existência do Papai Noel. Mas, ao mesmo tempo, por causa dessa assincronia de desenvolvimento – a inteligência lá na frente e a maturidade emocional ainda na idade dela ou até um pouco atrás – a Clara tinha umas explosões de raiva que pareciam de um bebê de 2 anos. Os pais dela ficavam sem entender: "Como ela é tão inteligente para fazer essas perguntas e tão imatura para lidar com uma frustração?". Essa diferença de ritmo de desenvolvimento é uma precocidade marcante nos superdotados. E o sistema nervoso da Clara, super sensível, fazia com que qualquer barulho na festa ou textura na roupa virasse um incômodo gigante, sobrecarregando-a. Por vezes, essa inquietação dela era confundida com TDAH, levando a diagnósticos errados.
Aos 5 Anos: "O Arquiteto de Mundos Invisíveis"
O João, aos 5 anos, não via a hora do recreio na escola. Mas não era pra brincar de pega-pega, não. Era pra ele se perder no mundo dele. Enquanto as outras crianças corriam, ele se sentava embaixo de uma árvore, os olhos fixos num ponto distante, arquitetando cidades inteiras na imaginação, com criaturas fantásticas e histórias complexas. O recreio, com seu barulho e caos, era uma sobrecarga sensorial pra ele.
O João já lia livros que a maioria das crianças só ia ver anos depois, e entendia conceitos que a gente achava que só um adulto conseguiria. Essa superexcitabilidade imaginativa fazia com que ele vivesse num mundo onde a fantasia e a realidade se misturavam. Os professores, vendo-o tão "distraído" e com pouca interação social, achavam que ele era esquisito, "estranho". E o João, sentindo essa estranheza, começou a criar uma "falsa personalidade" para tentar se encaixar, o que só gerava mais estresse e o impedia de ter conversas genuínas. Ele sabia que pensava de forma mais complexa, mais profunda, com uma imaginação mais vívida, e se sentia diferente de seus pares.
Aos 7 Anos: "A Autodidata Que Não Se Encaixava"
A Sofia, com 7 anos, já tinha a paciência esgotada na escola. Ela aprendia tudo num piscar de olhos, pegava as coisas no ar. A curiosidade dela era insaciável, e ela queria ir a fundo em cada tema, fazendo perguntas que os professores nem sempre sabiam responder. Essa superexcitabilidade intelectual a impulsionava a buscar conhecimento o tempo todo, a querer compreender a verdade e a analisar tudo com profundidade.
Mas a escola, muitas vezes, oferecia um currículo mecânico e repetitivo, que para a Sofia, era um tédio insuportável. Ela ficava entediada a ponto de se irritar, de não querer ir para a escola. Os pais eram cobrados porque a Sofia "não se desenvolvia como os outros" ou era "imatura". Mal sabiam eles que o córtex pré-frontal da Sofia, responsável por funções como planejamento e controle de impulsos, se desenvolvia de forma mais lenta, mesmo com toda aquela inteligência. Por não entenderem sua condição, os pais, sem querer, exerciam uma autocobrança patológica, fazendo com que toda a profundidade emocional e cognição acelerada da Sofia se voltassem contra ela mesma. A Sofia já sentia essa necessidade de perfeição e aversão ao fracasso, o que a levava a evitar situações em que suas capacidades seriam postas à prova, pois lidar com a frustração era um desafio.
Aos 9 Anos: "O Explorador de Complexidades e Suas Lutas Secretas"
Pedro, aos 9 anos, era um apaixonado por buracos negros e teorias de cordas. Passava horas lendo sobre isso, absorvendo informações com uma facilidade impressionante. Sua memória excepcional de longo prazo permitia que ele lembrasse de conceitos e raciocínios que havia estudado anos antes como se fosse ontem. Era como se ele tivesse uma "corrida para dominar" (race to master) os assuntos mais complexos. No entanto, paradoxalmente, a memória de curto prazo dele para coisas do dia a dia era "ruim". Ele esquecia o horário do futebol ou de levar o lanche, o que irritava os pais e a professora.
A superexcitabilidade emocional do Pedro era intensa. Ele sentia as emoções dos outros de forma profunda e tinha um senso de justiça aguçado. Se percebesse uma injustiça, reagia com intensidade, o que muitas vezes era confundido com "birra" ou comportamento opositor. Essa intensidade, combinada com a falta de compreensão da condição, levou Pedro a ter problemas de ansiedade e auto estima. Ele se sentia diferente de seus colegas, reforçando uma autoimagem negativa. A vida dele era uma luta invisível, onde a inteligência e a curiosidade o impulsionavam, mas a sensibilidade e a assincronia o faziam sentir-se inadequado.
Não é só sobre ser "inteligente", é sobre vivenciar o mundo de um jeito único, com desafios e potências que a maioria das pessoas nem imagina.
O mais importante é reconhecer e validar essas características, que muitas vezes são confundidas com problemas ou até "maluquices". Não é sobre se "normalizar", mas sobre aprender a gerenciar essas intensidades, potencializar as forças e construir uma vida mais autêntica. É como a gente sempre diz: o autoconhecimento é a primeira ferramenta que a gente precisa na vida.
E pra essa galera, que se sente tão diferente dos "neurotípicos", entender como funciona o próprio cérebro e as próprias emoções pode ser um verdadeiro divisor de águas, a "chave" para liberar o vasto potencial que têm.
Se você se identificou com alguma dessas histórias, ou se conhece alguém que se encaixa nesse perfil, saiba que tem um caminho, tem solução e, acima de tudo, você não está sozinho.
É um mundo complexo, sim, mas com o conhecimento certo, a gente consegue transformar essa luta invisível em uma jornada de muito impacto e realização.